Um estudo realizado por pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) mostrou ser possível potencializar a resposta imune de recém-nascidos contra o vírus HIV. O achado pode contribuir para a ampliação da possibilidade de novas intervenções terapêuticas para a proteção contra doenças infecciosas nesse período da vida. Os resultados foram descritos no Journal of Infectious Diseases.
Para realizar o experimento, os pesquisadores utilizaram um composto sintético denominado CL097 para estimular a resposta inata (primeira linha de defesa imune, que não é específica para um patógeno e envolve células como macrófagos, monócitos e neutrófilos) em células oriundas do cordão umbilical de bebês cujas mães não tinham HIV. Em seguida, a equipe do Laboratório de Investigação Médica 56 incubou o vírus nas células in vitro. O composto se mostrou eficiente em promover respostas antiviral e inflamatória, inibindo a replicação do HIV nas células do cordão umbilical.
“Os resultados reforçam o conhecimento que já tínhamos de que os recém-nascidos têm uma imunidade imatura, portanto, são mais suscetíveis a vírus como o HIV. No entanto, descobrimos que eles não são tão imunodeficientes quanto se imaginava, pois suas células são capazes de responder muito bem a esse tipo de estímulo com agonistas de imunidade inata [substâncias que estimulam a primeira linha de defesa]. Um dos diferenciais do estudo foi o uso desse tipo de agonista [CL097], pois ele mimetiza o patógeno e permite reduzir a infecção viral”, afirma à Agência Fapesp Maria Notomi Sato, professora da FM-USP e autora principal do estudo.
Os pesquisadores apontam que a estratégia de aprimoramento das vias de defesa pode ser aplicada também no caso de outras infecções virais, bem como para melhorar a eficácia das vacinas em neonatos.
“Esse achado sem dúvida colabora para o desenvolvimento de tratamentos antivirais alternativos para os bebês. Os testes foram realizados com o HIV, mas é muito provável que isso se dê da mesma forma com outras doenças virais ou bacterianas. Ainda precisamos de mais estudos, mas, no futuro, poderíamos oferecer esses compostos para os nenéns a fim de ativar a resposta antiviral, fazendo com que eles respondessem tão bem quanto adultos, a ponto de prevenir a própria infecção e combater as células infectadas”, explica Sato.
O estudo, que contou com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), teve como foco os macrófagos, que são células-alvo do HIV e, ao serem infectados, tornam-se um reservatório para o vírus. Ao realizar o experimento com células de recém-nascidos, a equipe apontou ser possível ativar vias de combate viral nos macrófagos com adjuvantes potencializadores da resposta imune inata a ponto de prevenir a infecção e a replicação viral.
A imunidade dos recém-nascidos
Por ainda não ter a imunidade completamente formada, recém-nascidos são mais suscetíveis a infecções por vírus, bactérias, fungos e outros patógenos. Isso ocorre porque, em geral, os monócitos, macrófagos e as células dendríticas dos bebês secretam quantidade menores de citocinas – proteínas reguladoras da resposta imune e inflamatória.
Ainda há ainda outros fatores que contribuem para a imaturidade da resposta imune adaptativa (específica para cada patógeno) nos recém-nascidos, como a falta de um microambiente para a interação entre as células T (linfócitos responsáveis pela imunidade celular) e as células B (linfócitos produtores de anticorpos).
“Leva algum tempo até que a imunidade dos bebês esteja inteiramente madura. Isso porque, embora muito dos anticorpos venha da mãe, a parte celular da resposta imune surge mais devagar. Por isso, há essa maior suscetibilidade a vários tipos de infecção no período pós-natal. Sabendo disso, fomos à procura de adjuvantes que pudessem estimular essa resposta imune imatura”, esclarece a mestranda Anna Julia Pietrobon.
Segundo ela, em bebês, a forma mais comum de transmissão do HIV é a vertical, ou seja, quando a mãe infectada com o vírus contamina o filho durante a gravidez, o trabalho de parto ou a amamentação. No entanto, Julia ressalta que, atualmente, tratamentos com AZT ou coquetéis antirretrovirais durante a gravidez e o parto têm reduzido o risco de transmissão vertical.
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